A Anima foi ontem (11/03) assistir a pré-estreia da peça “Priscilla, Rainha do Deserto”, no Teatro Bradesco. Baseado no filme de mesmo nome, o musical conta a aventura de três drag queens que viajam em um ônibus antigo (apelidado carinhosamente de Priscilla) em busca de amor e de amizades verdadeiras e acabam encontrando mais do que haviam planejado.
Assim como em todo musical, quando alguém começa a cantar todos do cenário passam a dançar e cantar também, como numa espécie de contágio. Lendo o texto da antropóloga Debora Diniz, nos faz desejar que, de fato, as questões ligadas às relações de gênero fossem, assim como nos musicais, contagiantes.
Explico: compartilhado pelo Maestro Carlos (Anima Jovem), o texto de Diniz reflete o cenário da aids especificamente com relação aos homens com idade entre 15 a 24 anos que fazem sexo com outros homens. Os dados do Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde mostram que, na última década, houve um crescimento da epidemia da aids entre a população de homens que fazem sexo com homens (HSH). Sabe-se que a nomenclatura HSH foi criada nos anos 90 para tentar agrupar a imensa diversidade de práticas e performances sexuais dos homens. O fato é que enquanto os dados epidemiológicos tratam de práticas sexuais, as campanhas se voltam para as identidades sexuais. Além dos dois conceitos não serem iguais apontam ainda para linguagens, populações e vulnerabilidades diferentes. “Não sabemos como esses homens se apresentam socialmente - se como gays, heterossexuais, bissexuais, travestis ou transexuais”, afirma a autora.
A questão sobre quem são os HSHs ainda permanece. Não se sabe se eles são os gays do início dos anos 2000 que não se apresentavam como homossexuais para os sistemas de notificação, ou se trata-se de um novo regime masculino de vulnerabilização à aids. Uma travesti talvez seja um homem para os registros epidemiológicos, entretanto pode ser uma mulher nos jogos performáticos da sexualidade entre corpos masculinos e femininos. O principal desafio das campanhas educativas está na passagem das práticas dos registros epidemiológicos para as apresentações sociais sobre sexualidade.
A principal vulnerabilidade destes “jovens gays”, assim como são chamados pelo Ministério da Saúde, está justamente na homofobia. Este sujeito está fora dos livros didáticos do Ministério da Educação, que reduz a sexualidade à reprodução biológica. Para Diniz “o crescimento da epidemia em um determinado grupo não é simplesmente resultado de práticas sexuais desprotegidas: é também resultado de uma ordem social homofóbica que impede os indivíduos de buscarem informação nas escolas, de acessarem os serviços de saúde ou de receberem o diagnóstico precoce da doença.”
Espera-se que o anúncio da alta vulnerabilidade ligada aos HSHs não retome a estigmatização e preconceitos com o público gay, caracterizados no início da epidemia. Assim como os atores do musical de Priscilla, Rainha do Deserto são contagiados pelas músicas cantadas no espetáculo, nós também podemos cantar uma mesma música, eternizados no refrão de “I will survive”, de Gloria Gaynor:
“...Oh, as long as I know how to love,
I know I'll stay alive!...”
(“...Enquanto eu souber como amar ,
Eu sei que permanecerei vivo!...”)
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