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Werther Santana/AE
Conceição, com a filha no colo: 'Me apaixonei'
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Na fila da adoção, crianças soropositivas são rejeitadas. Mas o
desejo de ser mãe se impôs a essas três mulheres, que enfrentaram o
preconceito e contam por que jamais se arrependeram dessa escolha
13 de maio de 2012 | 3h 06 - Estadão
SÃO PAULO - Uma delas é negra, a outra tem deficiência mental e o
garoto foi rejeitado por outros pretendentes na fila de adoção. Além
disso, os três são soropositivos, o que, num primeiro momento, poderia
espantar muitos candidatos a pais.
Pelas estatísticas, dificilmente essas crianças conseguiriam ser
acolhidas numa família, mas elas contrariaram as estimativas e
encontraram um lar graças à força e à coragem de três mulheres, que não
mediram esforços para que essas crianças tivessem alguém para chamar de
mãe.
Elas enfrentaram os amigos, a família, superaram todos os
preconceitos e decidiram adotar essas crianças que costumam ser as mais
rejeitadas entre as que aguardam a chance de ganhar um novo lar. Seus
caminhos se cruzaram no Instituto Emílio Ribas, em São Paulo, referência
no tratamento de HIV/aids no País. Conheça, aqui, a história de cada
uma delas.
Dados do Cadastro Nacional de Adoção, da última quarta-feira, apontam
que há 5.215 crianças aptas a serem adotadas no País. Dessas, 1.206
possuem algum tipo de doença (tratável ou não) e alguma deficiência
física ou mental. E 144 têm o vírus HIV.
Sociedade. A dona de casa Conceição
Aparecida da Silva, de 47 anos, conheceu a filha Fernanda, hoje com 21
anos, quando ela tinha 7. Conceição trabalhava como voluntária em um
abrigo e era acompanhante da menina quando ela ficava internada. Vítima
de paralisia cerebral ao nascer e portadora do vírus HIV, a criança não
fala e não anda.
Fernanda morava no abrigo porque sua mãe trabalhava o dia todo e não
tinha como cuidar exclusivamente dela. O pai, um libanês, a registrou
como filha, mas nunca a quis. Foi embora quando ela tinha 2 anos.
Durante quase três anos, Conceição criou laços com Fernanda porque
dormia todas as noites com ela no hospital durante as internações.
Algumas vezes a levava para passar o fim de semana em sua casa para
brincar com seu filho, Diogo. "Ela não fala, não anda, mas a gente se
comunica com gestos, com o olhar. Me apaixonei por ela", conta.
O abrigo em que Fernanda vivia fechou e ela foi transferida para
Guaratinguetá (SP). Por causa da distância, Conceição não pôde continuar
vendo a menina, mas ligava com frequência.
Seis meses depois, Conceição recebeu uma ligação desesperada do
abrigo: a mãe de Fernanda havia morrido e a menina, deprimida, não
queria mais tomar a medicação anti-HIV.
"Peguei um ônibus e fui para lá. Ela estava super debilitada. Ao me
ver, ela abriu um sorriso que não dá nem para explicar. Peguei ela no
colo, a abracei e falei: 'Vou voltar para te buscar'."
A assistente social do abrigo fez uma carta para o juiz e Conceição
pediu uma semana para conversar com o filho, que na época tinha 11 anos,
e pedir demissão no trabalho para dedicar-se exclusivamente à menina.
"Fui ao fórum, levei toda a papelada e o juiz me deu a guarda
provisória por um ano. Ele queria ver se eu daria conta de cuidar de uma
criança especial."
Na semana seguinte, Conceição foi buscar a menina. Voltou com ela no
colo, com a sensação de dever cumprido. "Não poderia deixar essa menina
morrer doente e sozinha num abrigo."
Conceição diz que, num primeiro momento, enfrentou resistência das
pessoas. "Muita gente me censurou. Me chamavam de louca, diziam que eu
ia acabar com minha vida adotando uma criança doente."
Os anos passaram, as pessoas se acostumaram e Conceição não se
imagina longe dela. A única dificuldade, diz, é que Fernanda hoje é uma
moça teimosa que não quer mais tomar remédios. "Fora isso, minha filha é
linda."
Aprendizado. A gerente de RH Patrícia*, de 40 anos,
sempre quis ter filhos, mas tinha dificuldades para engravidar. Perdeu
dois bebês nos primeiros meses de gestação e, por isso, entrou na fila
de adoção. Antes, porém, teve de convencer o marido. "Teve todo um
processo de aceitação por parte dele. Frequentamos grupos de adoção e
conversamos muito até chegar nessa decisão", diz Patrícia.
O casal se cadastrou na fila de adoção e fez as exigências que a
maioria faz: queria um bebê branco, saudável, o mais novo possível.
Mesmo com as exigências, o casal recebeu consultas sobre adotar crianças
com alguma deficiência, mas não quis. Três anos depois, adotaram
Guilherme*, o primeiro filho, saudável.
"Quando ele chegou, com apenas 9
meses, meu marido se apaixonou. Eu estava pronta para ser mãe e ele,
para ser pai", diz.
Um ano depois, porém, o casal decidiu que Guilherme teria um irmão.
Patrícia e o marido voltaram a se candidatar, desta vez sem restrições. A
única exigência é que queriam uma criança mais nova do que Guilherme.
Assim, o processo correu mais rápido. O casal recebeu uma ligação em
que ofereciam Eduardo*: um bebê de 11 meses, portador do vírus HIV. O
casal foi ao fórum conhecê-lo, o marido de Patrícia mais uma vez se
apaixonou, mas eles não o levaram para casa porque outra pessoa
disputava a guarda da criança.
Dois meses depois, o marido de Patrícia sonhou com Eduardo. Ele tinha
de adotá-lo. O casal ligou no fórum para ver se o bebê ainda estava
disponível. Estava. O processo estava parado porque o bebê fora
internado. "Meu marido falou: 'Nosso filho está sozinho, internado, sem
ninguém para cuidar dele. Vamos buscá-lo'", contou Patrícia.
Sem pensar duas vezes, o casal correu para o fórum e deu entrada na
papelada pedindo a guarda de Eduardo, mesmo sabendo que ele estava com a
saúde debilitada. "Se pudéssemos dar um dia de vida em família para
essa criança já estava bom", diz.
Patrícia e o marido enfrentaram resistência dos familiares, que
achavam que a adoção de uma criança doente ia expor o outro filho deles a
uma possível "perda precoce". No primeiro ano pós-adoção, Eduardo foi
internado com frequência e teve de receber sangue oito vezes.
Hoje, aos 6 anos, o garoto toma três comprimidos a cada 12 horas e
faz acompanhamento de quatro em quatro meses. "Era para ser. Ele nos
ensina muito mais do que nós a ele", diz Patrícia, que pensa em adotar
uma menina.
*Os nomes foram trocados
Abandono. Era o fim de uma madrugada fria de 1998
quando a aposentada Rosa Maria Alvarenga, de 63 anos, ouviu vários tiros
no bairro onde mora, na zona leste de São Paulo, e resolveu sair de
casa para ver o que estava acontecendo.
Descobriu que os vizinhos, que eram envolvidos com tráfico de drogas,
haviam sido assassinados dentro de casa, na presença dos três filhos
pequenos: uma menina de 7 meses, um menino de 5 anos e outro de 7.
As crianças choravam assustadas e, então, Rosa não pensou duas vezes:
pegou a neném no colo, agarrou as outras duas crianças pelas mãos e as
levou para sua casa. "Fiquei com medo que os bandidos voltassem para
terminar o serviço."
Rosa, que já tinha três filhos adultos e nove netos, decidiu então
que cuidaria daquelas crianças enquanto os avós não fossem buscá-las.
Cinco meses após a tragédia, as duas avós apareceram para buscar as
crianças, mas não da forma como Rosa imaginava. Elas decidiram quem
ficaria com cada um dos meninos, mas rejeitaram a menina - Luana -
porque ela era soropositiva. "Nenhuma delas quis levar a menina por
causa da doença. Foram embora e raramente os irmãos entram em contato
com a Luana. Eu não podia abandonar uma criança só porque ela tem uma
doença", diz Rosa.
Adoção. Diante do abandono das avós, a aposentada continuou cuidando de Luana informalmente, como se fosse uma filha legítima.
Com o tempo passando, porém, Rosa percebeu que era preciso
regularizar os documentos da menina, até mesmo para poder viajar e dar
continuidade ao tratamento contra o HIV.
Decidiu, então, ir ao fórum para pedir a guarda de Luana. O juiz
chamou as duas avós para confirmar se elas realmente estavam abrindo mão
da criança e, diante da resposta positiva, passou a guarda definitiva a
Rosa, que recebeu apoio total da família quando tomou a decisão de
adotar a menina. "Foi muito rápido e fácil."
Desde então, Rosa criou Luana como filha legítima, mesmo sobrevivendo
com uma renda de 1 salário mínimo por mês. A menina a chama de mãe, mas
sabe de toda a sua história - embora não tenha recordações do dia
porque era um bebê.
Por conta da doença, Luana teve de ser internada em várias ocasiões - em uma delas ficou por quatro meses no hospital.
Ela também precisa tomar 16 comprimidos por dia para controlar a
evolução do vírus. A menina é acompanhada no Instituto Emílio Ribas,
onde faz os exames frequentes. "Ela está super bem, tem gente que nem
acredita. Às vezes ela não toma os comprimidos direito, joga fora
escondido de mim. Ela é um pouco teimosa, mas é minha princesa", diz
Rosa.
Aniversário. Luana, que hoje tem 14 anos, sempre foi
ótima aluna e nunca repetiu de ano. Na escola, os professores sabem da
sua condição de saúde e avisam Rosa quando acontece alguma coisa. "É uma
aluna exemplar e nunca deu trabalho", diz a mãe.
Rosa diz que hoje em dia a menina não pensa em outra coisa que não
seja a festa para comemorar seus 15 anos, em setembro. O evento,
programado para 150 convidados, será feito em um salão de festas do
bairro, com direito a bufê e valsa.
"Paguei o aluguel de parte do salão e já tem até o DJ. O cabelo e a
maquiagem ela ganhou de uma vizinha, que tem um salão de beleza. A maior
preocupação dela agora é que roupa usar no grande dia", diz a mãe.
"Somos super companheiras. E sou capaz de fazer qualquer coisa pela
felicidade da minha filha."