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quarta-feira, 2 de maio de 2012

Quem tem direito à vida?


Na Edição 43 do Para Compartilhar, postamos a decisão do Supremo Tribunal Federal com relação ao aborto em casos de anencefalia. A partir deste post, gostaríamos de propor algumas reflexões.

O que é a anencefalia?
 
Uma estimativa aponta que a anencefalia ocorre em cerca de 4 a cada 10 mil nascidos, em muitos casos ocorre o aborto natural, tornando estes números aproximados. Também chamada de aprosencefalia, a anencefalia é a ausência de grande parte do cérebro e do crânio, ou seja, trata-se de um defeito do tubo neural que ocorre entre o 16º e 26º dias da gestação. Esta malformação fetal envolve o tecido que cresce dentro do cérebro e da medula espinhal, nestes casos o bebê pode apresentar algumas partes do tronco cerebral funcionando o que garante apenas algumas funções vitais, oferecendo ao bebê uma expectativa de vida muito curta, de algumas horas ou dias.

A anencefalia pode ser diagnosticada na 12ª semana de gestação, identificada com a ajuda de teste sorológico de ácido fólico pré-gravidez, amniocentese (feito na mãe para determinar se os níveis aumentados de alfa-fetoproteína estão presentes), checagem dos níveis de alfa-fetoproteína durante a gravidez (níveis aumentados sugerem defeito no tubo neural), checagem dos níveis de estriol na urina durante a gravidez e ultrassom para confirmar o diagnóstico
.
As possíveis causas desse fenômeno incluem toxinas ambientais e deficiência de ácido fólico (também conhecido como vitamina B9 ou M, necessário para a formação de proteínas estruturais e hemoglobina) durante a gravidez. Fatores genéticos também podem predispor a anormalidade. Mães diabéticas têm seis vezes mais probabilidade de gerar filhos com anencefalia, da mesma forma, mães jovens ou com idade avançada também têm o risco aumentado
.
Não há tratamento para a anencefalia, mas pode-se atuar na prevenção. A futura gestante deve tomar ácido fólico três meses antes de engravidar e nos 3 primeiros meses de gestação. O suplemento é ingerido em forma de pílulas e complexos vitamínicos específicos para gestantes, a quantidade indicada pela Organização Mundial de Saúde é de 0,4 miligramas por dia de ácido fólico.

Prós e contras
Argumentos prós

  • O feto anencéfalo é considerado natimorto. Apesar da morte cerebral, o coração pode continuar a bater por algumas horas após o nascimento;

  • Trata-se de uma gestação de alto risco, onde há a maior ocorrência de problemas como eclampsia (caracterizada por convulsões) e embolia pulmonar (obstrução das artérias dos pulmões por coágulos;
 
Argumentos contras

  • Mesmo sem chance de sobrevivência, o feto anencéfalo é uma vida inviolável;

  • O feto dentro da barriga já tem a garantia de seus direitos. A interrupção da gravidez  é uma violação destes direitos;

Discussão
Para melhorar um pouco nossa reflexão, convidamos uma Mãe para oferecer um relato sobre sua gravidez, neste caso de um bebê com anencefalia (trocamos os nomes por uma questão de privacidade). Confira:

“Foi minha segunda gravidez e apesar de não ser planejada, o bebê foi muito bem-vindo. Assim que tivemos a confirmação, através do exame de sangue, contamos para todos os parentes e amigos. Afinal, o Fernando pedia sempre um irmãozinho e então, a alegria foi grande. Estava sozinha quando fui fazer o ultrassom pela primeira vez. A médica ficou em silêncio e depois me contou do que se tratava e os detalhes. Indicou outro colega especialista para melhor orientação e no mesmo dia repeti o exame num hospital renomado. Confirmada a anencefalia, eu e meu marido ficamos sem saber o que fazer.

Tanto o médico que confirmou o exame, quanto meu ginecologista, nos informou que as chances de sobrevivência eram inexistentes e que nesses casos a indicação seria a interrupção da gravidez, inclusive também por comprometer a saúde da mãe.

Estávamos bem confusos quanto à melhor maneira de agir. Era a dualidade de sentimentos de distinguir o que é certo e errado. Então procuramos a Escola Paulista pela excelência no tratamento de casos de anencefalia.  Lá, eu e meu marido tivemos apoio psicológico e depois de muita reflexão resolvemos entrar com o pedido junto ao Ministério Público para a interrupção da gravidez.

Com a autorização dada, ainda no início da gestação, fiquei internada durante 10 dias no hospital e mesmo com a dosagem extrema do medicamento não houve resposta. Dentro dessa nova situação, decidimos levar a gravidez normalmente até a 35ª semana onde então se fez necessário o parto por conta dos riscos à minha saúde. Mantive toda rotina de consultas médicas, exames e de tratamento psicológico.

Durante minhas consultas com os psicólogos fui amadurecendo sobre como seria meu contato com o bebê na hora do seu nascimento. Fizemos visita à maternidade e no momento do nascimento contamos com uma equipe bem humanizada. Assim que o Hermano nasceu foi trazido para junto de mim e tivemos um pequeno, mas importante momento. Ficou vivo por 3 horas.

Temos o Fernando, hoje com 10 anos, e eu com 40 anos decidi não arriscar uma nova gravidez.

Acho que a única pessoa apta a tomar uma decisão é a mãe. Cabe a ela avaliar os riscos e seguir ou não em frente com a gravidez. E seria muito importante ter uma legislação definida para estes casos. Ninguém quer esbarrar na burocracia e lentidão de análises de processos. No meu caso tivemos o auxílio de um defensor público que nos ajudou, pelos meios legais, a conseguir a autorização. Não me arrependo de ter optado pela interrupção, pois é necessário muito preparo psicológico para lidar com os danos emocionais além da iminência de risco de morte para mãe durante todo período de gestação.

A mãe orientada pela equipe médica e respaldada pela legislação tem o direito único e intransferível de decidir pela interrupção ou não da gravidez de anencéfalo.”
 
Mesmo com o respaldo da Lei, tocar adiante ou interromper uma gravidez vai muito além de um discurso médico-científico, de um moralismo religioso, ou de uma autorização judicial. Claro que todos estes saberes podem somar na hora de se tomar uma decisão. Contudo, é preciso dar voz aos principais envolvidos e, talvez o mais importante, é garantir que não se está sozinho.
De novo, e agora você responde: QUEM TEM DIREITO À VIDA?



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