“Foi o que mais me chamou a atenção”, reflete a psicóloga Solange de Souza Queiroz sobre sua participação no IX Congresso Brasileiro de Prevenção das DST e Aids. Seu incomodo veio após passar pela mesa “Racismo como fator de vulnerabilidade para as DST” que ocorreu no dia 30 de agosto.
Talvez o leitor possa indagar de que não há novidade na relação entre as formas de racismo e a epidemia de aids, que já se discutiu muito a respeito. Certo! Porém, chamamos a atenção do leitor de que este assunto “batido” por estar incutido no discurso social, é um dos grandes empecilhos quando o assunto é prevenção.
Segundo a palestrante Jurema Werneck, médica focada na saúde da população negra, a epidemia da aids não trouxe novidades na trajetória dos negros, pois estes já eram discriminados nos serviços de saúde e apresentavam maior taxa de mortalidade.
Quando traçamos um panorama, evidencia-se a desigualdade pela qual a população negra está inserida. Se levarmos em consideração de que a mulher é a principal usuária do SUS, não apenas para seu próprio uso, mas também acompanhando crianças ou outros familiares, amigos, ou idosos, devemos destacar que dentre as mulheres, especificamente as mulheres negras, 85% delas estão abaixo da linha da pobreza e sua taxa de analfabetismo é o dobro, se comparada a das mulheres brancas. Uma vez que, as dificuldades da população negra está relacionada com sua condição socioeconômica e educacional, além das desigualdades imputadas pelo racismo, as ações que teriam maior impacto sobre a saúde deveriam voltar-se para melhorias das condições sociais, para a facilitação ao acesso a serviços de saúde que acolha e respeite a diversidade.
Falando em acesso aos serviços de saúde, ou na precariedade destes acessos, entre o período de 1980 a 2000, a diferença relativa aos níveis de mortalidade infantil de negros e brancos menores de um ano passou de 21% para 40%, praticamente dobrando a disparidade. Da mesma forma, em 2000, a taxa de mortalidade das mulheres negras de 10 a 49 anos, por complicações de gravidez, parto e puerpério, foi 2,9 vezes maior que a apresentada pelas mulheres brancas.
As campanhas de prevenção, em sua maioria, consideram apenas parte do contexto delegando ao indivíduo (única e exclusivamente) a responsabilidade por sua proteção. Mas, como é que se atinge o público jovem, especialmente os jovens negros, quando se depara com uma situação que vai além do âmbito individual?
De acordo com o Mapa da Violência 2012: Crianças e Adolescentes do Brasil, o país ostenta a quarta posição (entre 92 países) na taxa de homicídios entre os jovens. Os padrões da violência homicida no Brasil, revela uma realidade vergonhosa: são os jovens negros os que mais morrem no país. Em 2010, 49.932 pessoas morreram vítimas de homicídios no Brasil. Deste total, 26.854 eram jovens, a maioria (74,6%) negra e do sexo masculino (91,3%). De 2000 a 2009, a diferença entre jovens brancos e negros, vítimas de homicídios, saltou de 4.807 para 12.190 mortes.
Outros dados como iniciação sexual, número de parceiros, conhecimento sobre as formas de transmissão e prevenção das DSTs quando comparados com relação à cor da pele também apontam a discrepância entre as populações.
Se os números impressionam, as associações entre a população negra e a epidemia não ficam atrás. Só para ilustrar, já havíamos publicado no Para Compartilhar (ed. 39, em 19/03/2012) o episódio envolvendo o músico Raphael Lopes durante um show de stand-up, chamado de “Proibidão”. Lopes, que é negro, estava tocando vinhetas no teclado durante a apresentação do humorista Felipe Hamachi e entendeu que este o estava chamando de macaco. “As palavras que eu disse foram: ‘dizem que transar com macaco pega aids. Então eu tenho aids, né?’. E aí eu virei para ele. Isso ao pé da letra não quer dizer nada. Nunca chamei ele de macaco”, afirma Hamachi.
Diante dos fatos a população negra brasileira está mais sujeita às consequências adversas da violência estrutural, mais presentes nas comunidades mais pobres e/ou faveladas, com consequências negativas sobre a continuidade de projetos de prevenção nessas comunidades, e associada ao tráfico de drogas, essa violência determina maior exposição à oferta de drogas ilícitas e aos danos daí decorrentes, inclusive o HIV/Aids.
Quando se pensa em propostas de prevenção para a população negra, desconsiderar o contexto com que muitos enfrentam, acaba por invalidar os programas de prevenção que batem na tecla: USE CAMISINHA!
O uso do preservativo, nesse sentido, aponta para a vulnerabilidade individual, apenas. Contudo, há todo um contexto estrutural que deve ser levado em consideração no que diz respeito às vulnerabilidades. Não foi a epidemia que colocou os negros em situação de vulnerabilidade em saúde. “A aids surge em ambientes já fortemente marcados pelo racismo e onde se deixa que ele aconteça, o chamado racismo institucional”, comenta Werneck.
Jurema recomenda que se crie uma nova cidadania para melhorar a resposta à doença e enfrentar o racismo institucional. Os passos para isso acontecer seriam lembrar que ele existe, visibilizá-lo, decifrar as informações por trás dos dados, além do comprometimento com a causa vindo das lideranças do governo em todas as instâncias. “É preciso visibilizar o racismo. Escondê-lo é o próprio racismo. Disseminar a informação é fundamental.”
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