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terça-feira, 25 de setembro de 2012

Racismo e HIV/Aids


Foi o que mais me chamou a atenção”, reflete a psicóloga Solange de Souza Queiroz sobre sua participação no IX Congresso Brasileiro de Prevenção das DST e Aids. Seu incomodo veio após passar pela mesa “Racismo como fator de vulnerabilidade para as DST” que ocorreu no dia 30 de agosto.
Talvez o leitor possa indagar de que não há novidade na relação entre as formas de racismo e a epidemia de aids, que já se discutiu muito a respeito. Certo! Porém, chamamos a atenção do leitor de que este assunto “batido” por estar incutido no discurso social, é um dos grandes empecilhos quando o assunto é prevenção.

Segundo a palestrante Jurema Werneck, médica focada na saúde da população negra, a epidemia da aids não trouxe novidades na trajetória dos negros, pois estes já eram discriminados nos serviços de saúde e apresentavam maior taxa de mortalidade.
Quando traçamos um panorama, evidencia-se a desigualdade pela qual a população negra está inserida. Se levarmos em consideração de que a mulher é a principal usuária do SUS, não apenas para seu próprio uso, mas também acompanhando crianças ou outros familiares, amigos, ou idosos, devemos destacar que dentre as mulheres, especificamente as mulheres negras, 85% delas estão abaixo da linha da pobreza e sua taxa de analfabetismo é o dobro, se comparada a das mulheres brancas. Uma vez que, as dificuldades da população negra está relacionada com sua condição socioeconômica e educacional, além das desigualdades imputadas pelo racismo, as ações que teriam maior impacto sobre a saúde deveriam voltar-se para melhorias das condições sociais, para a facilitação ao acesso a serviços de saúde que acolha e respeite a diversidade.
Falando em acesso aos serviços de saúde, ou na precariedade destes acessos, entre o período de 1980 a 2000, a diferença relativa aos níveis de mortalidade infantil de negros e brancos menores de um ano passou de 21% para 40%, praticamente dobrando a disparidade. Da mesma forma, em 2000, a taxa de mortalidade das mulheres negras de 10 a 49 anos, por complicações de gravidez, parto e puerpério, foi 2,9 vezes maior que a apresentada pelas mulheres brancas.

As campanhas de prevenção, em sua maioria, consideram apenas parte do contexto delegando ao indivíduo (única e exclusivamente) a responsabilidade por sua proteção. Mas, como é que se atinge o público jovem, especialmente os jovens negros, quando se depara com uma situação que vai além do âmbito individual?

De acordo com o Mapa da Violência 2012: Crianças e Adolescentes do Brasil, o país ostenta a quarta posição (entre 92 países) na taxa de homicídios entre os jovens. Os padrões da violência homicida no Brasil, revela uma realidade vergonhosa: são os jovens negros os que mais morrem no país. Em 2010, 49.932 pessoas morreram vítimas de homicídios no Brasil. Deste total, 26.854 eram jovens, a maioria (74,6%) negra e do sexo masculino (91,3%). De 2000 a 2009, a diferença entre jovens brancos e negros, vítimas de homicídios, saltou de 4.807 para 12.190 mortes.
Outros dados como iniciação sexual, número de parceiros, conhecimento sobre as formas de transmissão e prevenção das DSTs quando comparados com relação à cor da pele também apontam a discrepância entre as populações.

Se os números impressionam, as associações entre a população negra e a epidemia não ficam atrás. Só para ilustrar, já havíamos publicado no Para Compartilhar (ed. 39, em 19/03/2012) o episódio envolvendo o músico Raphael Lopes durante um show de stand-up, chamado de “Proibidão”. Lopes, que é negro, estava tocando vinhetas no teclado durante a apresentação do humorista Felipe Hamachi e entendeu que este o estava chamando de macaco. “As palavras que eu disse foram: ‘dizem que transar com macaco pega aids. Então eu tenho aids, né?’. E aí eu virei para ele. Isso ao pé da letra não quer dizer nada. Nunca chamei ele de macaco”, afirma Hamachi. 

Diante dos fatos a população negra brasileira está mais sujeita às consequências adversas da violência estrutural, mais presentes nas comunidades mais pobres e/ou faveladas, com consequências negativas sobre a continuidade de projetos de prevenção nessas comunidades, e associada ao tráfico de drogas, essa violência determina maior exposição à oferta de drogas ilícitas e aos danos daí decorrentes, inclusive o HIV/Aids.

Quando se pensa em propostas de prevenção para a população negra, desconsiderar o contexto com que muitos enfrentam, acaba por invalidar os programas de prevenção que batem na tecla: USE CAMISINHA!

O uso do preservativo, nesse sentido, aponta para a vulnerabilidade individual, apenas. Contudo, há todo um contexto estrutural que deve ser levado em consideração no que diz respeito às vulnerabilidades. Não foi a epidemia que colocou os negros em situação de vulnerabilidade em saúde. “A aids surge em ambientes já fortemente marcados pelo racismo e onde se deixa que ele aconteça, o chamado racismo institucional”, comenta Werneck.

Jurema recomenda que se crie uma nova cidadania para melhorar a resposta à doença e enfrentar o racismo institucional. Os passos para isso acontecer seriam lembrar que ele existe, visibilizá-lo, decifrar as informações por trás dos dados, além do comprometimento com a causa vindo das lideranças do governo em todas as instâncias. “É preciso visibilizar o racismo. Escondê-lo é o próprio racismo. Disseminar a informação é fundamental.”

Para saber mais:










segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Violação X Manutenção de direitos



Em alguns momentos do projeto VoluntariAnima (projeto voltado para atender a articulação entre voluntários e a Anima), procuramos promover um debate entre os participantes, tendo como foco as concepções que os voluntários apresentam com relação ao HIV/Aids. Para levantar esta “lebre” usamos um caso, tratado pela mídia, envolvendo a criminalização do portador por não contar ao seu parceiro sua condição de soropositivo.
Durante sua passagem ao IX Congresso Brasileiro de Prevenção às DST e Aids, a diretora psicopedagógica da Anima, Renata Brandoli, teve a oportunidade de acompanhar uma discussão que tratava justamente da criminalização e a violação de direitos do portador.
Para repensar esta questão é preciso um pouco de contexto. A criminalização da transmissão sexual do HIV nas duas primeiras décadas da epidemia, segundo Luiz Mott, um pesquisador que juntou as reportagens com esta questão que ganharam destaque na mídia entre os anos de 1984 e 1999, concebia a pessoa vivendo com HIV/Aids como seres revoltados e vingativos, sempre aptos e dispostos a transmitir intencionalmente (dolosamente) o HIV ou, em alguns casos, seres passíveis de transmitir culposamente a aids por negligência.
Não se sabe se estas notícias baseavam-se em fatos reais ou se faziam parte da construção de um imaginário social da aids, expresso por um temor frente à nova epidemia. O fato é que este imaginário ainda perdura.
Apesar de alguns casos serem indiciados por crime de epidemia (artigo 267 do Código Penal Brasileiro), o mais frequente era o indiciamento por crime de homicídio doloso. No Direito Civil o “dolo” é caracterizado pelo ato intencional de prejudicar o outro. Há ainda casos enquadrados no artigo 131 do CP (perigo de contágio de moléstia grave) ou do artigo 132 (perigo para a vida ou saúde de outrem). Para o autor, raras vezes a imprensa colocou em dúvida a justeza das prisões, proporcionando uma condenação moral das pessoas com aids por parte das autoridades, abuso de poder e violação dos direitos humanos.
Mesmo com a mudança da epidemia da aids que tornou-se uma doença epidemiologicamente controlável e individualmente tratável, muitos ainda consideram a transmissão do vírus HIV como arma letal. Na edição 14 (22/08/2011) deste informativo, denunciávamos o ato de uma médica que colocou no muro de sua casa seringas infectadas pelo HIV para afugentar ladrões. Em outros países, assume-se um ar de terrorismo, chegando a restringir ou até mesmo negar a entrada do portador (Para Compartilhar, V.1, ed. 48, em 21/05/2012). Em Serra Leoa, uma lei de 2007 criminaliza pessoas com HIV, considerando que as mesmas expõem outras pessoas ao risco da infecção. Em 2008, nos Estados Unidos um morador de rua, soropositivo, foi condenado a 35 anos de prisão por "agredir um funcionário público com uma arma mortal". A arma: cuspir em um policial quando estava bêbado.

Um relatório na XVIII Conferência Internacional de Aids, em Viena, revelou que cerca de 600 pessoas já foram condenadas no mundo pela exposição e transmissão sexual do HIV. Acredita-se que este número seja, na verdade, bem maior.
Para Renata, o ato de criminalizar a aids, acaba arrastando o preconceito ainda mais. E ela não está sozinha.

O documento HIV e Direito: riscos, direito e saúde, divulgado pela Comissão Global sobre HIV e Leis das Nações Unidas, enfatiza que “leis que criminalizam, discriminam e punem as populações com maior risco de contágio do HIV, como homossexuais, transexuais, prostitutas e usuários de drogas injetáveis, prejudicam o tratamento e atrapalham a luta contra a Aids” (Para Compartilhar, V.1, ed. 55, em 16/07/2012). 
Deixa-se a responsabilidade da prevenção para o portador. Da mesma forma, podemos pensar nos casos de gravidez, onde fica a responsabilidade de uma concepção para a mulher apenas. Note-se que quando se trata de uma gravidez planejada, há a inclusão do parceiro no processo. Já numa concepção dita, não planejada, foi a mulher que não tomou o anticoncepcional corretamente, não usou camisinha, foi “relaxada”.

A gente tem a mesma questão com o portador. A responsabilidade de transmissão recai sobre o portador, sendo que, as relações deveriam ser compartilhadas”, afirma a diretora. Este compartilhamento é justamente o foco de nossas discussões com os voluntários. Ao assumir as dicotomias em posições de ataque e defesa, culpados e inocentes, ter ou não ter o vírus, perde-se as motivações que antecederam o ato sexual.

Também percebemos os conflitos dos portadores frente à revelação do diagnóstico a outros. O receio de perder o(a) parceiro(a) é o que mais aparece. Ora, a medida de crime presente na transmissão pode omitir a descoberta do diagnóstico, assim é preferível não fazer o teste anti-HIV, pois uma vez positivo, tem-se um fardo a carregar. Numa parte do documentário Amor em Tempos de Aids, exibido pelo Discovery Home and Health, ouvimos uma mãe dizer que o futuro namorado da filha, soropositiva, deve ser alguém especial para entender sua situação. Esse “alguém especial”, para muitos, acaba se tornando o príncipe encantando que nunca chega ou a princesa que nunca acorda.

O excelente texto proposto pela Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA), intitulado como HIV/Aids não é sentença de morte: uma análise crítica sobre a tendência à criminalização da exposição sexual e transmissão sexual do HIV no Brasil, traz uma concepção contra a associação entre aids e morte que gostaríamos de acrescentar:


 As pessoas que vivem com HIV/AIDS mantêm relações sexuais pelos mesmos motivos das pessoas sem HIV: amor, prazer, tédio, paixão, comércio, pressão social e cultural, entre outros. A pessoa vivendo com HIV/AIDS que tem relações sexuais, sem preservativo e sem revelar seu status sorológico, não necessariamente estará agindo com dolo (intenção, finalidade, propósito, querer) direto ou dolo in direto (eventual) de perigo; não estará agindo, inequivocadamente, com dolo de lesionar, dolo de transmitir moléstia venérea, dolo de transmitir moléstia grave, dolo de transmitir o HIV e nem mesmo dolo de matar. Admitir o contrário disso, em absoluto, é precon ceituoso e discriminatório. Praticar relações sexuais sem camisinha não enseja, necessariamente, algum tipo de intenção penalmente re provável. Se for necessário punir, que se puna o ato, e não a pessoa.

 Ainda resta uma pergunta: E você usa preservativo nas suas relações sexuais?

Para saber mais:                                                     HIV/Aids não é sentença de morte (ABIA);