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segunda-feira, 10 de setembro de 2012

É puta mesmo!


Acima de tudo, vale o que eu penso.” Esta é uma pequena impressão deixada pela assistente social da Anima, Iara Cardoso, após assistir à peça “Filha, Mãe, Avó e Puta - Uma Entrevista”, apresentada no IX Congresso Brasileiro de Prevenção às DST e Aids, em São Paulo.
A peça narra a história de Gabriela Leite, socióloga formada pela USP, fundadora da ONG Davida, ativista na luta pelos direitos das prostitutas, contra a aids e criadora da grife Daspu. Como se não bastassem os 60 minutos da peça que levaram os presentes das gargalhadas às lágrimas, ao final tivemos a honra de contar com a própria Gabriela e os atores da peça para um bate-papo. 

Filha de uma família tradicional, Gabriela frequentou o círculo dos intelectuais e artistas paulistanos, mas foi na prostituição, na mais livre forma de “amor” que encontrou sentido para lutar contra as hipocrisias. Por isso, prefere ser chamada de puta, pois os termos “garota de programa” ou “profissional do sexo”, trazem arraigados o preconceito moralista da sociedade.
A atriz Alexia Dechamps dá corpo a uma Gabriela Leite que já viveu muita coisa, está em plena maturidade e vem pensando em envelhecer, assume trejeitos próprios que fizeram a própria Gabriela Leite comentar coisas como: “eu não disse isso desta forma”. Quando vemos aquela figura pequena e frágil subir no palco, ao ouvir aquele fio de voz fraco temos um baque com tamanha força que tem suas palavras.
Baqueados assim, ouvimos Gabriela dizer sobre sua emoção em apresentar sua história para um público tão especial: É a primeira vez que a peça é apresentada para o movimento de aids que eu tanto amo, estou muito feliz”, comemora.
Baqueados assim, ouvimos a história de Gabriela quando negou o financiamento milionário estadunidense, justamente por contrariar a principal causa de mobilização na luta das prostitutas. Sabe-se que no início dos anos 2000, o lançamento do programa de prevenção Esquina da Noite, tendo como objetivo fortalecer a Rede Brasileira de Prostitutas, através de atividades voltadas à promoção da autoestima, aos direitos humanos e reconhecimento do trabalho sexual como direito, exigiu das ONGs a constituição de consórcios para habilitarem-se a receber fundos federais. Para estes grupos estava-se bem claro que não era suficiente intervir apenas na prevenção do HIV, mas era necessário a vinculação do trabalho de prevenção a outras demandas colocadas pelo movimento de prostitutas. Um dos resultados disso, foi que em 2002, a profissão “trabalhador do sexo”, foi inserida na Classificação Brasileira das Ocupações (CBO 5198-05).
Os programas de prevenção ao HIV/Aids para estes grupos eram financiados tanto pelo Programa Nacional de DST/Aids quanto pelo acordo de cooperação Brasil-USAID, através do projeto AIDSCAP.  Em 2005, a USAID adiciona novas cláusulas contratuais ao convênio já assinado, entre elas a  “cláusula anti-prostituição”, adicionada ao PEPFAR em 2004, exigindo das organizações a assinatura de um  compromisso formal condenando a prostituição, além de um certo pedido do governo Bush de abstinência sexual como forma de combater a gravidez e as DSTs. Após a suspensão deste financiamento, em 2005, criou-se o projeto Sem Vergonha, com coordenação nacional da ONG Davida. O projeto priorizou o reforço da liderança comunitária e o protagonismo político das prostitutas. 

Baqueados, ouvimos também em outros momentos do Congresso, uma frágil Gabriela questionar o papel de alguns fortes representantes do movimento de DST/Aids. Durante a apresentação da Mesa Redonda no último dia de Congresso, discutindo o tema “De que prevenção estamos falando? Conceitos e práticas no cenário atual”, o Coordenador Estadual de DST/Aids de São Paulo, Paulo Teixeira e o representante federal do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, Ivo Brito se viram numa saia justa sobre a indagação de um panfleto lançado com relação à Profilaxia Pós-Exposição Sexual.
Vale ressaltar que num primeiro momento Gabriela compromete os palestrantes questionando se o panfleto que estava em suas mãos foi criação dos mesmos. Após a afirmativa, segue a leitura do trecho:
Se você teve relação sexual com parceiro(a) fixo(a) ou ocasional que é usuário de drogas, profissional do sexo, gay, travesti ou homem que faz sexo com homem, por exemplo, que não sabe que tem HIV e vocês não usaram a camisinha ou tiveram algum acidente durante o uso.”
O motivo de revolta é onde se encontram as relações heterossexuais neste panfleto. Enquanto sujeito oculto nos meios de prevenção lançado pelo próprio governo, reforça-se algo que tem se tentado erradicar, ou seja, os “grupos de risco”. Se por um lado tem-se dito que o termo “grupos de risco” reforçam os preconceitos no campo da aids, por outro desvia-se o foco da prevenção, tratada sob um olhar puramente comportamentalista, vista hoje a partir das vulnerabilidades sejam elas individuais (ou comportamentais), sociais (contextuais) ou pragmáticas (institucionais).
Por último, gostaríamos de desejar forças à Gabriela Leite que vem lutando contra o câncer. Emocionante o momento no qual, humildemente, agradece à quimioterapia, pois acredita que naquele “saquinho” está o empenho de muitos que pesquisaram e possibilitaram o tratamento para sua doença. “Eu acredito nas pessoas”, reforça.
Para saber mais:


  

A peça está em cartaz no Mube até 23 de setembro. 
Sexta e Sábado: 21h30; Domingo: 19h 
Rua Alemanha, 221 - Jardim Europa 
(011) 2594-2601 
www.mube.art.br 
Ingresso: R$ 50 (sex.) e R$ 60 (sáb. e dom.)

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