11 de julho de 2011 | 0h 00
Alexandre Gonçalves - O Estado de S.Paulo
Cerca de 6% da população mundial sofre de discalculia do
desenvolvimento, transtorno neurológico que dificulta o aprendizado da
matemática. A incidência é praticamente a mesma da dislexia, problema
análogo - bem mais famoso - relacionado à leitura e à escrita.
Pesquisadores brasileiros e estrangeiros querem trazer a discalculia do
desenvolvimento para a ordem do dia.
Há poucas semanas, uma das principais revistas científicas do mundo -
a Science - publicou um artigo sobre a doença. O texto recordava perdas
sociais e econômicas para comprovar a gravidade do problema.
Na Grã-Bretanha, por exemplo, estimou-se em R$ 6 bilhões os custos
anuais do mau desempenho matemático entre os ingleses. O trabalho também
apontava o caráter de transtorno negligenciado da discalculia. Desde
2000, a doença mereceu R$ 3,6 milhões em pesquisas do governo americano.
No mesmo período, a dislexia recebeu quase R$ 170 milhões.
"E há trabalhos que mostram que o impacto da discalculia é, pelo
menos, tão grande quanto o da dislexia", diz Vitor Haase, do Laboratório
de Neuropsicologia do Desenvolvimento da UFMG. "Mas há uma questão
cultural: as pessoas não valorizam tanto a importância da matemática
quanto a de ler e escrever."
Contextos. Para que uma criança seja diagnosticada
com discalculia do desenvolvimento, é necessário comprovar que sua
dificuldade no aprendizado da matemática não nasce de uma deficiência
intelectual - que comprometeria outras áreas do conhecimento - ou de
problemas afetivos. Também deve ser descartada a hipótese de que
condições sociais concretas - como um ambiente de vulnerabilidade em
casa ou na escola - bastariam para explicar o transtorno.
José Alexandre Bastos, chefe do serviço de Neurologia Infantil da
Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), sublinha que os
diagnósticos da discalculia do desenvolvimento são sempre feitos por
uma equipe multidisplicinar que costuma incluir um neurologista, um
neuropsicólogo, um pedagogo e um fonoaudiólogo.
"Vale a pena lembrar o impacto do transtorno em reprovações, abandono
escolar, bullying, além de prejuízos à autoestima da criança", afirma a
coordenadora do Laboratório de Neuropsicologia da Unesp de Assis,
Flavia Heloisa dos Santos. Há vários anos pesquisando o tema, Flavia
descobriu que a música pode ser uma poderosa ferramenta para a
reabilitação neuropsicológica de crianças com o problema.
Terapia. O tratamento da discalculia não envolve drogas, mas
treinamento matemático. Só nos casos em que a criança tem transtorno de
déficit de atenção e hipertatividade (TDAH) o médico costuma receitar
algum medicamento. "Mas é para tratar o TDAH", afirma Bastos. "Cerca de
40% das pessoas com dislexia e discalculia tem TDAH."
Casos concomitantes de dislexia e discalculia também são comuns.
Sheila Guerra, de 11 anos, é um exemplo. Como reforço à escola, ela
estuda matemática e português em uma unidade que aplica o método Kumon,
em Belo Horizonte. Lá, realiza o treinamento necessário para superar as
duas condições. Conta com o acompanhamento da psicopedagoga Miriam
Moraes, que afirma que ela deve superar a discalculia em até um ano.
Ruth Shalev, do Centro Médico Shaare Zedek, em Israel, publicou
trabalhos comprovando que 47% das crianças que tratam a discalculia
conseguem superar o problema. Mas o estudo mostrou que a taxa de sucesso
cresce com o diagnóstico precoce.
PARA ENTENDER
"Discalculia não é dificuldade para fazer
cálculos complexos", diz o neurologista José Alexandre Bastos. "É a
incapacidade de lidar com operações triviais." Os problemas ocorrem em
três campos: compreensão dos fatos numéricos (adição, subtração,
multiplicação e divisão simples), realização de procedimentos
matemáticos (como divisão de números grandes ou soma de frações) e
semântica (compreensão da linguagem usada para formular problemas). Ao
minar os fundamentos, a discalculia impede a aquisição de conhecimentos
mais complexos.
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